Monoteísmo e classes sociais antagônicas

Por Jadzia Dax

30 de março - 2021

Imagem: Unkown

Atualmente as religiões com maior número de fiéis pelo mundo são religiões monoteístas: cristianismo, islamismo e judaísmo. Porém, sabemos que as religiões monoteístas nem sempre existiram, antes destas as religiões ou manifestações religiosas eram dominantemente politeístas.

Só para deixar claro, entende-se essencialmente por religião politeísta a que aceita a crença/existência de mais de um deus. E monoteístas, aquelas que admitem a existência de um deus único, como é o caso do cristianismo e suas quase infindáveis sub agregações.

Antes de avançarmos é importante dizer que nem toda religião tem um deus ou deuses, como o budismo em sua vertente mais tradicional. Ou seja, nessas religiões não há uma figura divina, suprema, poderosa, a quem se deva render preces, orações ou súplicas. Em outra oportunidade poderemos falar um pouco mais sobre essas religiões.

Voltando ao tema central da nossa comunicação, temos que, durante certo período da história existiam apenas religiões monoteístas, depois de um contraditório e paulatino processo começam a surgir as religiões monoteístas. Mas como isso acontece? Que processo foi esse? tentaremos esclarecer nas próximas linhas.

Para o materialismo histórico dialético, é o modo de produção, ou seja, a forma dominante sob a qual está organizada a produção material da riqueza em uma determinada sociedade e contexto histórico, que orienta os demais complexos sociais.

Por exemplo, atualmente, a educação, o direito, a política, dentre outros complexos sociais são determinados pela forma como a produção da riqueza material é organizada, ou seja, pelo capitalismo. Da mesma forma, a religião ou reflexo religioso em uma determinada sociedade é produto do modo de produção dominante naquela sociedade.

Precisamos chamar a atenção aqui para esclarecer que essa relação não é mecânica, mas sim dialética. Ao mesmo tempo que é o capitalismo que “produz” nossa educação atual, ele próprio, por sua vez, é afetado por ela, e esta tem uma certa autonomia em relação ao capitalismo. O mesmo vale para a religião e outros tantos complexos sociais.

No escravismo, a religião produzida por esse modo de produção o legitimava, reafirmando aquela forma de sociabilidade como natural e produto da vontade divina. No feudalismo, se deu o mesmo, a religião, produto daquela sociabilidade, a reproduzia, mantendo-se sempre alinhada com os interesses da elite feudal.

Todos os modelos de sociabilidade que mencionamos até aqui tem uma característica comum, qual seja, o fato de serem sociedades baseadas na exploração do homem pelo próprio homem, sociedades não apenas com divisão de classes, mas com classes sociais antagônicas.

Tais sociedades têm por característica a dominação, que por sua vez é materializada por determinadas pessoas que compõem uma classe social. Nessa relação hierarquizada, a ideia de um poder maior, que tudo determina, tudo domina, tudo pode, e que a esse poder todos devem respeito, admiração, gratidão, medo, etc, se naturaliza, sobretudo para aqueles que estão do lado inferior dessa hierarquia.

Essa relação é tão forte, tão enraizada que, em algumas dessas sociedades o principal representante da classe dominante era considerado literalmente um deus. Como é o caso do Egito Antigo, por exemplo.

O interessante é que nem sempre existiram as classes sociais antagônicas. Antes do surgimento delas, não existia, obviamente, essa relação de domínio que mencionamos acima, e dessa forma, para a mentalidade anterior ao aparecimento das classes sociais antagônicas, admitir a existência de um poder único, que tudo domina e controla, era algo fora de cogitação. Sem classes antagônicas, sem exploração do homem pelo homem como base da sociabilidade.

Ora, a mentalidade que não concebe, pelas suas próprias condições materiais de existência, a ideia de alguém que o domine, como um poder “socialmente” superior a quem se deve suplicar e temer, também não admite que possa existir um único deus soberano, onipotente, onisciente e onipresente. Conceber tal ser era o oposto do que produzia aquela sociedade baseada no que chamamos de comunismo primitivo.

Por tanto, é justamente a mudança no modo de produção da riqueza material, do comunismo primitivo sem classes antagônicas, para as primeiras sociedades escravistas cindidas em classes antagônicas, que torna possível a existência de religiões monoteístas.

Não estamos afirmando aqui que não existia reflexo religioso antes do surgimento das classes sociais antagônicas, mas que nesse momento histórico, a ideia de um deus único, ou de religião com crença em um deus único, era improvável. Nesse contexto histórico, a crença era na existência de vários deuses difusos, forças imateriais.

Até a relação dos indivíduos com esses deuses era totalmente diferente da relação fiel com seu deus único na sociedade de classes. Em alguns povos, ao invés de fazer súplicas a um deus, apedrejava-se determinado deus, fazia-se insultos para que ele fizesse aquilo que acreditavam ser sua tarefa.

Por fim, é o aparecimento das classes sociais antagônicas, com seus modos de produção ancorados na exploração do homem pelo homem, que torna possível a existência de religiões monoteístas.

Atualmente não há acordo sobre qual teria sido a primeira religião monoteísta, uns defendem ter sido o Zoroastrismo, religião fundada a partir de ensinamentos do profeta Zaratustra, que viveu mais ou menos entre os séculos XVIII e XV a.C. (há desacordo com relação às datas). Já outros argumentam em defesa do culto ao deus sol instituído pelo faraó Amenófis IV (1375-1334 a.C.).

Referências: The primitive culture - researches into the development of mythology, philosophy, religion, art and custom (E. B. Tylor), Ancient society - or researches in the lines of human progress from savagery through barbarism to civilization (Lewis HH. Morgan) A ideologia alemã (K. Marx e F. Engels), Formas elementares de vida religiosa (E. Durkheim), A essência do cristianismo (Feuerbach).